Mercedes Sosa com Calle 13
Armando Tejada Gómez - Ángel Ritro)
O último disco de Mercedes Sosa foi um CD duplo, gravado entre junho de 2008 e março de 2009, de duetos com músicos de diferentes estilos e épocas. Uma das músicas mais surpreendentes do disco é a versão "Hay un niño en la calle" com Calle 13.
Calle 13, para quem ainda nao conhece, é um grupo formado por dois irmãos de Puerto Rico que mistura ritmos populares como tango, cumbia colombiana com estilos de música urbana. Em todos eles, Calle 13 imprime uma crítica social frontal e incisiva. Em seu último lançamento “Los de atrás vienen conmigo” (os de trás vêm comigo) foram acompanhados de grandes figuras da música popular latina: Rubén Blades, Café Tacvba e nesta música que trazemos hoje, por Mercedes Sosa.
Canção para uma criança na rua:
A esta hora exatamente,
Há uma criança na rua
Há uma criança na rua!
É honra dos homens protegerem o que cresce,
Cuidar que não exista infância dispersa pelas ruas,
Evitar que naufrague seu coração de barco,
Sua incrível aventura de pão e chocolate.
Pondo-lhes uma estrela no lugar da fome.
De outro modo é inútil, de outro modo é absurdo
Ensaiar na terra a alegria e o canto,
Porque de nada vale se houver uma criança na rua.
Todos os tóxicos do meu país
Entram pelo meu nariz
Lavo carros, limpo sapatos
Cheiro cola e também cocaína
Roubo carteiras, mas sou gente boa
Sou um sorriso sem dentes
Chuva sem teto, unha com terra
Sou o que sobrou da guerra
Um estômago vazio
Sou uma ferida no joelho que se cura com o frio
O melhor guia turístico do subúrbio
Por três pesos te passeio pela capital
Não preciso de visto para voar pelos arredores
Porque eu brinco com aviões de papel
Arroz com pedra, lama com vinho
E o que me faltar... eu imagino.
Não deve andar o mundo com o amor descalço
Hasteando um jornal como uma asa na mão
Subindo nos trens, trocando risadas,
Batendo no peito com uma asa cansada.
Não deve andar a vida, recém nascida, a preço,
A infância arriscada a um estreito lucro
Porque então as mãos são inúteis fardos
E o coração, apenas, um palavrão.
Quando cai a noite durmo acordado
Um olho fechado e o outro aberto
Na dúvida de que os tigres me cuspam uma bala
Minha vida é como um circo, mas sem palhaços
Vou caminhando pela vala
Fazendo malabarismos com cinco laranjas
Pedindo dinheiro a todos os que eu puder
Numa bicicleta de uma roda.
Sou oxigênio para este continente
Sou o que descuidou o Presidente.
Não te assustes se eu tenho mal cheiro
Ou se me vês sem camisa
Com os mamilos ao vento
Sou um elemento mais da paisagem.
Os resíduos da rua são minha camuflagem
Como algo que existe que parece mentira
Algo sem vida, mas que respira.
Pobre daquele que esqueceu que há uma crianca na rua,
Que há milhões de crianças que moram na rua
E multidão de crianças que crescem na rua.
Eu os vejo apertando seu coração pequeno,
Olhando-nos a todos com fábula nos olhos.
Um relâmpago interrompido lhes atravessa o olhar,
Porque ninguém protege essa vida que cresce
E o amor perdeu-se, como uma criança na rua.
A esta hora exatamente,
Há uma criança na rua
Há uma criança na rua!