10 sept 2009

Histórias de Amor

Alejandro Dolina 

 
Histórias de Amor
O universo é uma perversa imensidade feita de ausências. Não estamos quase em nenhuma parte. No entanto, no meio das infinitas desolações há uma boa notícia: o amor
Os Homens Sensíveis de Flores tomavam esse rumo quando queriam explicar o cosmo. E até os Refutadores de Lendas tiveram que admitir quase sem reservas que o amor existe. Isso sim, ninguém deve confundir o amor com a felicidade. Ao contrário: às vezes se pensa que o amor e a tristeza são uma mesma coisa. Especialmente no bairro do Anjo Cinzento, que é também o bairro do desencontro.
As histórias amorosas dos tempos dourados são quase sempre tristes. Isto não basta para afirmar que todos os romances foram infelizes: acontece talvez que a arte precisa de nostalgia. Não é possível ser artista se não se perdeu alguma coisa.
Os poemas de amor satisfeito aparecem como malandragem de comerciante afortunado. Por isso os poetas de Flores procuram a desilusão, porque pensavam que perto dela andava o verso perfeito.
Quase todos ficavam à metade do caminho. Manuel Mandeb via as coisas de um modo mais complicado.
Admitia que a pena de amor conduzisse à arte. Mas também sustentava que o propósito final da arte é o amor. A recompensa do artista é ser amado. E assim parecia opinar Ives Castagnino, o músico de Palermo, quem compunha valsas melancólicas com o único objetivo de seduzir senhoritas. Quando não conseguia, sua tristeza lhe ditava outras canções que, mais tarde, servia-lhe para deslumbrar senhoritas novas e assim recomeçava o círculo.
Alguns rapazes sem vocação artística tentavam merecer as damas cultivando as ciências, a bondade, a coragem, a riqueza e a extorsão.
Os autores de aforismos extraíram destas realidades uma conclusão modesta: se não fosse pelo amor, ninguém faria grande coisa.
As moças beligerantes podiam objetar que esses pensamentos parecem reservados à conduta masculina.
Ao respeito, Mandeb acreditava que as mulheres faziam de si mesmas um feito artístico. O polígrafo de Flores, em um rapto de arbitrariedade, chegou a estabelecer uma ordem de qualidades, de acordo à sua eficácia para apaixonar. Colocou em primeiro lugar a beleza e logo a juventude, esclarecendo que estas duas virtudes são talvez uma só. Depois localizou as condições espirituais: inteligência e bondade. Em último lugar, o poder e o dinheiro. Multidões de feios de certa idade polemizaram com Mandeb reclamando o direito a ser amado por sua limpeza, trajetória comercial ou sobrenome ilustre.
De todos os modos, para esse obscuro pensador, o amor era uma flor exótica cujo descobrimento acontecia muito poucas vezes.
- De cada mil pessoas que passam por essa porta – dizia – por acaso nos comova somente uma. Do mesmo modo, talvez só uma entre as mil seja capaz de se comover conosco. A conta é simples: sem contar percepções traiçoeiras e desilusões posteriores, a possibilidade de um amor correspondido é de uma em um milhão.

Não está mal, depois de tudo. Mas deixemos a pura especulação dos espíritos obtusos de Flores. Muito mais interessante é saber como amaram realmente. Para isso transcreveremos algumas histórias que presumem de verdadeiras e que chegaram a nós por avenidas literárias ou por escuros becos confidenciais.




HISTÓRIA DO QUE ESPEROU SETE ANOS
Jorge Allen, o poeta, amava uma jovem peituda dos bairros hostis. Como se soube depois chegou a ser feliz.
Uma noite de junho, a moça resolveu lhe abandonar
- Não te amo mais – disse.
Allen cometeu então os piores pecados de sua vida: suplicou, se humilhou, escreveu versos horrorosos e chorou pelos cantos. A peituda se manteve firme e assinou a manobra se envolvendo com um esportista reluzente.
O poeta recobrou a dignidade e ocupou seu tempo em amar sem esperanças e em recordar o passado. Sua alma se temperou no sofrimento e se fez cada vez mais sábio e bondoso.
Muitas vezes sonhou o regresso da moça, mas teve o bom tino de não esperar que tal sonho se cumprisse.
Mais tarde soube que jamais haveria na sua vida algo melhor do que aquele amor impossível. No entanto, uma noite de verão, sete anos e sete meses depois de seu pronunciamento, a peituda apareceu de novo.
As lágrimas corriam pelo decote quando confessou ao poeta:
- Outra vez te amo.
Allen nunca pôde contar com clareza o que sentiu naquelas horas. O caso é que voltou à sua casa, vazio e desiludido. Quis chorar e não pôde. Nunca mais voltou a ver a peituda. E o que é pior, nunca mais, nunca mais voltou a pensar nela nem a sonhar com seu retorno.





HISTÓRIA DO QUE SE APAIXONOU POR UMA MENINA JOVEM DEMAIS.


Manuel Mandeb soube se apaixonar por uma menina muito jovem da Rua Paez
A moça não lhe fez desfeita por causa da diferença de idade e, além disso, é certo que Mandeb era um homem de aspecto soberbo, dentro de seu estilo sombrio. Mas logo começaram as dificuldades. Um dia Mandeb insistiu em caminhar sob uma chuvarada enquanto recitava, aos gritos, um soneto inédito.
Uma noite fez amor com ela na casa mal-assombrada da Rua Campana para espantar os demônios.
Às vezes, de madrugada, trepava até a janela da menina, no terceiro andar, e lhe deixava uma flor vermelha presa. Uma tarde de inverno lhe deu a provar do licor do esquecimento e do vinho da recordação.
No verão tirava-lhe a blusa nas ruas escuras e lhe vestia alguma de suas desgastadas camisas azuis. Para seu aniversário deu-lhe de presente uma sombra roubada em Villa del Parque que havia aprisionado numa caixinha de cristal. Depois ensinou a todos os pássaros de Flores a cantar o nome da moça em sua janela. Então a menina abandonou Mandeb e comentou depois às suas amizades em uma pizzaria:
- Não éramos da mesma geração.



HISTÓRIA DO QUE SE DESGRAÇOU NO TREM
Jaime Gorriti tomava todos os dias o trem das 14h35min. E todos os dias ele observava uma estudante morena. Com prudente astúcia procurava se colocar perto dela e – às vezes – conseguia um olhar prometedor.
Uma tarde começou a cumprimentá-la. E, alguns dias depois, teve ocasião de se fazer notar ajudando-a a recolher alguns livros desbarrancados. Por fim, um lugar desocupado lhes permitiu sentar juntos e conversar
Gorriti acelerou e lhe fez conhecer suas destrezas de beija-flor aficionado. Não andava mal. A morena conhecia o jogo e colaborava com revides adequados.
No entanto os demônios decidiram intervir. Saindo de Haedo, a moça tentou abrir a janela e não pôde. Com um gesto mundano, Gorriti pediu licença.
- Por favor...
Se segurou da manivela, puxou pra cima com toda a sua força e soltou um sonoro pum estrondoso, irreparável. Sem dizer palavra, saiu pelo corredor e desertou do trem de Moron. Desde esse dia, começou a tomar o trem das 14h10min.




HISTÓRIA DO QUE PADECIA OS DOIS MALES
Na Rua Caracas morava um homem que amava uma loira. Mas ela o desprezava por inteiro. Umas quadras mais pra baixo duas morenas morriam de amor pelo homem e se ofereciam ante sua porta. Ele as rejeitava honestamente. O amor depara duas máximas adversidades de oposto signo: amar quem não nos ama e ser amado por quem não nos é possível amar.
O homem da Rua Caracas padeceu ambas as desgraças ao mesmo tempo e morreu uma manhã frente ao pranto das morenas e a indiferença da loira.



HISTÓRIA DE QUEM NÃO PODIA ESQUECER


O russo Salzman teve muitas namoradas. E a dizer verdade, costumava deixá-las depois de pouco tempo. No entanto, jamais se esquecia delas. Todas as noites seus antigos amores se lhe apareciam por turno em forma de pesadelos. E Salzman chorava pela ausência delas.
A primeira namorada, a quitandeira de Burzaco, a ruiva de Vila Luro, a inglesa de La Lucila, a arquiteta de Palermo, a costureira de Cidadela. E também as namoradas que nunca teve: a que não o amou, a que viu uma só vez no porto, a que lhe vendeu um par de sapatos, a que desapareceu num corredor antes de se cruzar com ele. Depois Salzman chorava pelas namoradas futuras que ainda não haviam chegado.
Os homens sábios não caçoavam do russo pois compreendiam que estava possuído pela mais sagrada birra cósmica: o homem queria viver todas as vidas e estava condenado a transitar somente por uma. Aprendam a sonhar os que se contentam com ganhar na loteria...
A RUA DAS NAMORADAS PERDIDAS.
Há uma rua em Flores na que moram todas as namoradas abandonadas. Ao entardecer saem à calçada e olham ansiosas em direção às esquinas para ver se voltam os namorados que se foram.
Às vezes conversam entre elas e rememoram velhos passeios pelo Roseiral. Pelas noites se recluem para ler cartas velhas que guardam em caixinhas primorosas ou admirar fotografias amareladas.
Aos domingos vestem vestidos floridos e pintam os lábios. Algumas escrevem diários íntimos com letra caprichada.
Dizem que não é possível encontrar essa rua. Mas se sabe que algum dia desembocará na esquina o batalhão de namorados vencedores da morte para resgatar as namoradas perdidas e levá-las a passear pelo Roseiral. Isto será dentro de muito tempo, quando adocique suas cordas o pássaro cantor.
Existem por aí infinidade de pessoas confiáveis que juram que o amor é possível em todos os bairros. Não discutiremos semelhante tese. Mas quem tiver que viver paixões loucas, é melhor que não perca o tempo em rumos errados.
Uma história terrível o está esperando em Flores.

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