9 sept 2009

Niños, libros y lecturas

Alejandro Dolina  

 

Crianças, livros e leituras 


As novelas do século XIX sobre o Império Romano se esforçam em reconstruir a época dos Césares e apenas conseguem revelar as preferências e gostos do século XIX. Acontece que os cônsules, os senadores e os imperadores não podem dissimular o sotaque das tertúlias parisienses, por muito que se esforce o escritor. Isto não deve ser apontado como uma recriminação senão mais bem como uma fatalidade que convém saber antes da leitura.
Algo parecido acontece com os livros para crianças. Escritos a partir de um mundo diferente, costumam narrar histórias que soam falsas, protagonizadas por seres distantes e incompreensíveis. Frente à sua própria criação, os autores costumam afetar uma espécie de perplexa benevolência, a mesma que se usa na descrição dos hábitos dos selvagens.
Alguém poderá dizer que o mais conveniente é que os romanos escrevam sobre o império, e as crianças sobre a infância. Objeção: os romanos já não escrevem, e as crianças não o fazem ainda. De uns e de outros nos afasta o tempo.
Pode-se aduzir que enquanto nenhum escritor atual foi cidadão do Império, quase todos foram crianças. No entanto, um complicado abismo de esquecimentos e falsas lembranças parecem nos afastar das emoções infantis. Os literatos que se fingem crianças não conseguem enganar ninguém.
Na verdade, não é possível nem sequer saber com certeza se as crianças desfrutam dos livros que lhes preparam.
Com muita cautela, me atreveria a apostar que não. Evocações que por acaso invento agora, me remetem às histórias de terror, às investigações de Mister Reeder, o Padre Brown e o poema A Margarita Dabayle, criações todas que tão pouco têm de infantil.
Parece-me recordar também que aos meus quatro ou cinco anos escutava com mais prazer “A Taça do Esquecimento” ou “Minha Noite Triste” do que as relaxantes bobagens sobre Teresinhas apaixonadas.
Assim, menos em forma de teoria do que de suspeita, postulo que um livro que diverte crianças deve ser capaz de divertir um adulto. Claro, a admiração não serve na ordem inversa: toda obra precisa de uma informação prévia por parte do leitor para ser compreendida. O conto “O Imortal” de Jorge Luis Borges seria incompreensível – ou insosso – para quem desconhecesse a existência de Homero.
A medição de um hexâmetro exige saber latim. Pressinto, no entanto, que milhares de contos e novelas podem ser lidos sem pena pelas crianças e sem tédio pelos mais velhos. Os exemplos são tão contundentes que me deixam encabulado: A Ilha do Tesouro, os contos de Oscar Wilde, as Mil e uma Noites, as maravilhas e horrores da mitologia clássica.
Frente a estas obras, os coloridos volumes das coleções infantis se apresentam bastante insossos.
Às vezes intuo que muitos destes textos são estragados pela intenção edificante. Alguém me disse uma vez que na verdade acontece ao contrário: a torpeza literária desacredita a moral da história.
Manuel Mandeb, o polígrafo de Flores, sentia horror pelas novelas protagonizadas por crianças. Sustentava que seus comportamentos eram pouco racionais ou, o que é pior, pouco artísticos. Recomendava atribuir às pequenas personagens a maior seriedade, pois entendia que as crianças são em geral sérias e detestavam a velhacaria.
Mandeb acreditava que o amor às crianças era uma virtude literária capaz de redimir qualquer defeito.
- O esforço carinhoso comove as crianças mesmo que elas não confessem – dizia.
Acho que o homem de Flores adivinhou uma grande verdade.
Quando era criança, eu sentia uma emoção deliciosamente triste frente aos carrosséis, os circos e os caleidoscópios. Não gostava, não me divertiam. Mas me faziam sentir uma imensa piedade por aquelas pessoas, mais inocentes do que eu, que tentavam me agradar com o modesto engenho. Dentre meus brinquedos infantis, lembro de uma cimitarra de madeira que meu pai me trouxe. Meus jogos não incluíam as gestas sarracenas, de modo que não pude lhe tirar maior proveito. Mas ali estava o amor daquele homem que talvez não me compreendesse.
Por isso acredito no critério de Mandeb. O amor de um poeta pode ser mais eficaz do que um bom argumento.
Mais tarde reconheci aqueles sentimentos da infância ao receber algum presente humilde demais.
Nos anos dourados, um grupo de mestres melancólicos do bairro do Anjo Cinzento preparou um livro de leitura escolar diferente de todos.
Seu título foi “Desilusões Precoces”
Contava com textos de Manuel Mandeb e Jorge Allen, a professora Etelia C de Doth e alguns escuros literatos do bairro. Também se procurou fazer crer que escreviam algumas crianças, coisa que ninguém chegou a admitir jamais.
Muitos educadores disseram que "Desenganos Precoces" carecia de propósitos formadores. Nada mais falso. Em muitas de suas páginas se promove a admiração de certas condutas. Acontece – isso sim – que tais condutas são precisamente aquelas que repudiam os livros infantis convencionais. Enaltece-se a ausência a aulas, se denigra a aplicação, duvida-se da higiene e se festejam as desordens.
Há contos, poesias, notas e canções, entre as que surpreende encontrar a mi longa “Cobre e me dê o Troco”
Vamos transcrever alguns textos.




Os Deveres de Pedro.
Pedro se senta nas últimas cadeiras da sala de aula, como corresponde a uma criança que desdenha a educação e a vizinhança dos poderosos. As conspirações e as badernas nunca o encontram alheio. Busca o risco das transgressões e a companhia dos mais beligerantes. Às vezes se sente tentado pelo estudo e a inteligência. Então, como quem aceita um desafio, como uma malandragem, resolve difíceis problemas de regra três e realiza dos ditados sem tropeçar.
Um dia a professora lhe acaricia o cabelo com ternura. Ele pensa:
- Ah, 'sora... se soubesse como gostaria de lhe presentear uma flor e lhe dar um beijo.
Mas Pedro sabe quem é e conhece seu dever e seu destino. Com um passe se afasta do afeto inoportuno e vai buscar a glória lá nos fundos, onde os malandros se empenham atirando os tinteiros para que se cumpra melhor o divino propósito do Universo.
Exemplo (poesia)
Os sábios nos disseram
que continuemos a sombra dos teus passos.
E foi tua destreza
a vergonha de nossas lentidões.
Os signos que guardavam
o efêmero quadro em sua negrura
a ti não te negaram
revelações e sabedorias.
Os Seres que Vigiam
souberam por ti de nossas infâmias
e encontraste recompensa
na noticia do castigo alheio.
Ah, branco paradigma,
luminoso, implacável companheiro:
hoje novamente postulou-se
tua sorte como exemplo.
O numeroso pátio
teu sangue desenhado viu no chão
e a direção dos meus golpes
seguiu a branca popa do teu medo.
Assim souberam todos
depois da tua caída no recreio,
a sova que promete meu punho
aos traidores do colégio.




As crianças precoces (por Manuel Mandeb)
Algumas crianças dão frutos precoces, não nego.
Seus pais se orgulham e os exibem entre seus familiares e conhecidos, quando não no cinema e televisão.
Atrevo-me a pensar – no entanto – que não toda precocidade é auspiciosa. Comecemos por dizer que existem adultos bondosos, agudos valentes ou geniais. E também os há medíocres, hipócritas, pomposos e canalhas. A criança precoce recebe a visita antecipada de certos aspectos da madurez. Alguns tocam o piano como peritos profissionais, outros aprendem línguas, desenham ou possuem a ciência.
Mas há crianças cuja precocidade consiste em adquirir antes de tempo o tom vazio e protocolar das conversas de sala de espera, e aprendem aos seis anos a filosofia dos bobos insatisfeitos.
“Assim anda o mundo, Dona Joana...” “O que se ganha discutindo, Seu José...” “Falando as pessoas se entendem, Carlitos...”
Também repetem a linguagem das revistas e fazem suas as respostas das reportagens mais vulgares.
Por certo, muita gente acredita que essa é a sabedoria, e eu digo que mais sábios são os meninos incultos que observam com repugnância os diálogos dos parentes bem-educados.
Tomara que surjam muitas crianças prodígio que se apropriem do gênio com impaciência. Mas para ser um tolo, acho que não há pressa.




O menino que foi a menos
A senhorita Cláudia pergunta a Ferro:
- Quem fundou a cidade de Assunção?
Ferro o ignora e o confessa. A professora tenta por outros rumos.
- Tissot
- Não sei ‘sora
- Rossi.
Silêncio. O ambiente fica pesado porque talvez a professora Claudia ensinou aquilo no dia anterior.
– Maldonado.
Nada… Claudia enruga o cenho e ensaia uns reproches gerais. Frezza, o italiano Frezza, sabe a resposta de algum modo misterioso. É estranho o caminho que seguem as idéias: costumam se alojar onde menos se espera
- Nuñez. Lopez. Dall’Asta.
Também não Frezza espera, presumido, sem levantar a mão. Coisa de bajulador, pensa. A professora Claudia se dirige às meninas e pronuncia o nome amado. Frezza está muito longe para bater para a morena que o enlouquece, que não pôde responder. De repente a professora o olha
– Frezza.
O menino titubeia pois talvez precise da nota, se levanta, olha para mesa da morena e diz, quase triunfal:
- Não sei.
Se é que ninguém sabe, está bem não saber. Frezza se senta e escuta então como uma horrível blasfêmia, a voz de Campos, injuriosa:
- Juan de Salazar!
Passaram os anos. A morena não conheceu o amor de Frezza nem tampouco seu gesto elegante e generoso. Se alguém qualifica essas lições num Boletim Celeste, Frezza tirará um nove. E se nem sequer existe esse Boletim, então tirará um dez.




Uma Briga 
Empurraram-me à saída. Houve um tumulto branco e depois de uma rápida investigação fiquei frente a frente com Carlos
– Tá empurrando por quê???
Formou-se uma roda. Alguém gritou:
- Dá uma surra nele...
Meninas aterrorizadas se somaram ao grupo. Carlos ficou vermelho. Mãos cruéis o empurraram em minha direção. Tito, falso caudilho e sujeito temido, me disse
– Vai... ou você está com medo?
Então lhe ajeitei um soco na cara e agora já sei que sou um covarde.
Desilusões Precoces não foi aprovado pelas autoridades escolares.
Pode-se afirmar que poucos meninos o leram.
No entanto, como se alguém lhes ensinasse preceitos secretos, ainda hoje, no tempo dos Refutadores de Lendas, há crianças que continuam sentando nas últimas mesas e também homens que longe já da escola, se afastam das vantagens e das oportunidades fáceis.
A esses, aos dos Fundos, aos que podendo se sentarem na primeira mesa a rejeitam, os que não figuram como exemplos nos livros de leitura, os espíritos lunares, aos alunos de coragem e honra que – pressinto – não leem obras como esta, a todos eles – tardiamente – os abraço agora, quando já não me sinto impedido pelas mesquinhezas que carreguei na minha infância


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