
(...)
Fevereiro derretia ferros nessa noite. Sandálio, muito bêbado, num intervalo do pianista subiu no pequeno tablado, brincou um pouco com as teclas, cuspiu curtinho e levou o trompete à boca – mandíbula inferior encaixando à perfeição, a boquilha ficando bem segura e seu tórax alargou até retesar a fazenda da camisa – quando começou a tocar, seus potentes fraseados de ouro iluminaram de repente a atmosfera e preencheram de som todo o espaço do local.
O ar vibrava. O pianista, um zambo de aspecto maltratado, vestido de fraque, voltou ao palco tentando segui-lo no piano ao melhor estilo jazz. Fazia tempo que o trompetista não tocava com tanta paixão. A noite estava para ser incendiada de música e ele, lírico de álcool, inflamado de música, era um cigano de parque de diversões lançando fogo pela boca. O cabaré inteiro guardava silêncio. Arrepiadas, as mulheres sentiam a música correndo feito água quente pelo corpo. Sentiam-na como uma espessa pintura dourada inundando o clima sujo do bordel; pressentiam que podiam levantar um dedo, besuntá-lo de música e pintar de ouro os lábios, as unhas, as pálpebras. Algumas choravam sem perceber. Por um instante foram tão altas e puras como a penetrante música, aquela que expressava a essência exata da noite.
(...)

...Fevereiro
Noite derretendo ferros
E Sandálio
Mui borracho
No intervalo do piano
Subiu ao palco tablado
Gracejou com o teclado
Cuspiu de leve e discreto
Levou à boca o trompete
Mandíbula e boquilha
Duas velhas conhecidas
Se encaixaram como gêmeas
Peito estufando a camisa
Fez da sua boca uma amiga
Que se entregou como fêmea
Ao próprio macho dourado
Tocando os seus fraseados
Iluminando o ambiente
Que embriagava a galera
Presente na atmosfera
Iluminando o repente
Ar vibrava no piano em desejo
De um zambo maltratado
Num fraque amarrotado
Tentando no palco seguir seu harpejo
Num nobre estilo do jazz
De improviso e viés
E o som tornou dourado o vilarejo
Música e noite viraram um fogo
Alimentado do álcool
Naquele cigano palco
De parque de diversões ou de gozo
Naquele bordel das paixões
Um carrossel de emoções
Juntou o lírico etílico em fogo
Agora o cabaré era um silêncio
Com fêmeas arrepiadas
Por música abaladas
O sangue correndo em vasos fervendo
Pele feita em melodia
No seu bordel de alegria
Inundou por completo o sentimento
Já não tinha sujeira no puteiro
Que virou ouro em miragem
Refeito na maquiagem
Pálpebras, unhas e lábios inteiros
Emocionando em magia
De pureza e fantasia
Às refeitas damas e cavalheiros
Foi a essência do orvalho
Que transformou docemente
Palco e tablado ambiente
O tal trumpete borracho
Do Sandálio
Em noite derretendo ferros
Fevereiro...
O ar vibrava. O pianista, um zambo de aspecto maltratado, vestido de fraque, voltou ao palco tentando segui-lo no piano ao melhor estilo jazz. Fazia tempo que o trompetista não tocava com tanta paixão. A noite estava para ser incendiada de música e ele, lírico de álcool, inflamado de música, era um cigano de parque de diversões lançando fogo pela boca. O cabaré inteiro guardava silêncio. Arrepiadas, as mulheres sentiam a música correndo feito água quente pelo corpo. Sentiam-na como uma espessa pintura dourada inundando o clima sujo do bordel; pressentiam que podiam levantar um dedo, besuntá-lo de música e pintar de ouro os lábios, as unhas, as pálpebras. Algumas choravam sem perceber. Por um instante foram tão altas e puras como a penetrante música, aquela que expressava a essência exata da noite.
(...)

Dalton é um grande estudioso da música popular brasileira. O site dele é www.mpbsapiens.com
...Fevereiro
Noite derretendo ferros
E Sandálio
Mui borracho
No intervalo do piano
Subiu ao palco tablado
Gracejou com o teclado
Cuspiu de leve e discreto
Levou à boca o trompete
Mandíbula e boquilha
Duas velhas conhecidas
Se encaixaram como gêmeas
Peito estufando a camisa
Fez da sua boca uma amiga
Que se entregou como fêmea
Ao próprio macho dourado
Tocando os seus fraseados
Iluminando o ambiente
Que embriagava a galera
Presente na atmosfera
Iluminando o repente
Ar vibrava no piano em desejo
De um zambo maltratado
Num fraque amarrotado
Tentando no palco seguir seu harpejo
Num nobre estilo do jazz
De improviso e viés
E o som tornou dourado o vilarejo
Música e noite viraram um fogo
Alimentado do álcool
Naquele cigano palco
De parque de diversões ou de gozo
Naquele bordel das paixões
Um carrossel de emoções
Juntou o lírico etílico em fogo
Agora o cabaré era um silêncio
Com fêmeas arrepiadas
Por música abaladas
O sangue correndo em vasos fervendo
Pele feita em melodia
No seu bordel de alegria
Inundou por completo o sentimento
Já não tinha sujeira no puteiro
Que virou ouro em miragem
Refeito na maquiagem
Pálpebras, unhas e lábios inteiros
Emocionando em magia
De pureza e fantasia
Às refeitas damas e cavalheiros
Foi a essência do orvalho
Que transformou docemente
Palco e tablado ambiente
O tal trumpete borracho
Do Sandálio
Em noite derretendo ferros
Fevereiro...
impactante....
ResponderEliminar