26 sept 2009

La decadencia de la amistad

A decadência da amizade
Alejandro Dolina


Muitos pensadores acreditam que, nestes tempos, a amizade é mais um tema de conversa do que uma atividade concreta.
Certamente é relativamente fácil encontrar pessoas dispostas a compor canções sobre os amigos. No entanto, é bastante difícil conseguir que essas mesmas pessoas nos emprestem dinheiro.
Pelo que parece, o sentimento amigável se encontra em decadência. Todos os dias tropeçamos com canalhas que, longe de se preocuparem pela escassez de amigos, se orgulham dela.
- Eu, amigos, o que se diz amigos, tenho muito poucos ou nenhum – nos gritam na cara. E não advertem que o sujeito está esperando que o parabenizem por semelhante façanha.
Nos anos dourados de Flores, quando alcançavam seu apogeu a compreensão, a poesia e as cutucadas de cotovelos, também existiam inimigos da amizade que preocupavam aos Homens Sensíveis.
Manuel Mandeb, o metafísico da Rua Artigas, colecionou algumas de suas obtusas opiniões em um opúsculo titulado maliciosamente Los Amigos. Com de costume, transcreveremos alguns parágrafos.
“... A amizade deve nascer na juventude ou na infância. Nossos amigos são aqueles que aprendem junto a nós ou, melhor ainda, os que vivem aventuras ao nosso lado. E, em geral, as pessoas aprendem e vivem aventuras na sua juventude. Depois quase todo mundo consegue algum emprego em casas comerciais e já fica impossível adquirir conhecimentos novos ou brigar com uma turminha.”
“... aos onze ou doze anos, começamos a detestar a família e a achar que os rapazes da esquina são muito mais divertidos do que o tio Jorge. Durante mais ou menos uma década ninguém estará mais perto do nosso coração do que estes rapazes. E se queremos nos aprovisionar de amigos, devemos fazê-lo nesse período. Depois será tarde demais...”
Pelo que se pode apreciar, o critério de Manuel Mandeb é interessante e talvez verdadeiro. Acontece que em certo momento da vida, descobrimos que estamos rodeados de estranhos: colegas de trabalho, fregueses, credores, vizinhos, cunhados. Os amigos de verdade estão longe, provavelmente encerrados em círculos parecidos.
Alguns teimosos insistem em cultivar amizades novas. Os matrimônios maduros se visitam mutuamente e desenvolvem pálidas paródias da amizade verdadeira: contam uma e outra vez episódios antigos, vividos com os amigos velhos, que já não estão. Quando somos jovens não contamos histórias aos nossos amigos: as vivemos com eles. Apesar destas sábias reflexões de Mandeb, existiu em Flores uma agência destinada a oferecer amizade aos solitários. Foi o célebre Armazém de Amigos de Ocasião. Seus fins de lucro eram inegáveis. Ainda hoje se lembra do seu ‘slogan’ publicitário: “Tenha um amigo desinteressado. Pague-o em prestações”.
Já ao se aproximar ao balcão, o freguês já notava um clima amigável e amplo. Os empregados sabiam como atacar.
- Boa tarde. Você não sabe o que a bruxa da minha mulher fez comigo hoje de manhã...
E aos trinta segundos já nos sentíamos entre amigos. Depois, entre tapinhas nas costas, piscadelas, beliscões e confidências, os comerciantes iam mostrando o amplo catálogo do armazém.
Tinham amigos silenciosos, dispostos a escutar cinqüenta vezes a história de uma operação. Amigos complacentes, sempre amáveis e elogiosos. Amigos efusivos que cumprimentavam com abraços e se despediam aos gritos. Amigos divertidos, rudes com piadas picantes e peritos em brincadeiras pesadas.
Também se prestava um serviço um tanto mais caro, especialmente para pessoas de alta posição. Consistia no aluguel de uma corte de aduladores que acompanhavam o cliente a todas as partes, riam de suas piadas, aplaudiam suas idéias e subscreviam com entusiasmo qualquer um de seus pensamentos. Precedendo esta comparsa, costumava marchar um “corneta” que abria a porta dos bares e metendo a cara gritava:
- Aí vem o doutor Del Prete!
O trabalho era tão bem feito que muitos dos contratantes já não puderam prescindir dele nunca mais. Muitos profissionais do bairro extinguiram sua fortuna pagando este serviço da agência.
Um assunto que incomodava os clientes era o rigor dos Amigos de Ocasião em seus horários. Quando expirava o prazo estipulado, acabava a amizade. Sem cumprimentar, os contratados davam meia volta e iam embora, muitas vezes interrompendo uma gargalhada ou se livrando bruscamente de um abraço fraterno.
No entanto, temos que admitir que alguns aspectos do funcionamento do Armazém eram bastante nobres.
Por exemplo, a Seção Crianças permitia que os pais escolhessem os amigos de seus filhos, sem correr risco algum.
Para isso, contavam com um numeroso plantel de crianças e inclusive de anões adestrados em diferentes atitudes.
De acordo ao gosto paterno, podiam encontrar crianças peraltas pra despertar os pequenos bobalhões, crianças estudiosas para estimular os meio burros, e crianças educadas e ajuizadas para serenar os mais piratas.
Claro, não puderam evitar que muitas crianças se resistissem à decisão de seus pais. Assim, ouvia-se com freqüência em Flores frases como esta:
- Vá brincar com os amiguinhos que seu pai alugou, poxa!
Existia também um departamento para Damas, com um amplo surtido de fofocas. Alguns mal intencionados diziam que as mulheres não contratavam amigas, senão inimigas, mas isso é outro assunto.
O fracasso mais espalhafatoso foi o da seção de Amizades Mistas. Nada difícil é perceber que os cavalheiros que solicitavam amigas escondiam quase sempre outras intenções. Não se espante o leitor pensando que nos internaremos em um tema tão enxovalhado como o da amizade entre a mulher e o homem. Vale a pena – isso sim – recordar o que disse Manuel Mandeb a uma amiga sua, talvez alugada no Armazém.
- Veja, eu posso ser seu amigo se a senhora quiser. Não tentarei seduzi-la nem me porei romântico, nem lhe farei propostas indecorosas. Mas saiba que eu preciso que exista um amor potencial. É indispensável para mim que exista uma possibilidade em um milhão de que algo surja entre nós. Deixo claro que é provável que se essa circunstância se apresenta, eu saia correndo. Mas é unicamente em virtude dessa remotíssima chance que eu estou aqui ouvindo a sua conversa feito um imbecil.
Os Homens sensíveis nunca foram bons clientes do armazém Amigos de Ocasiao. Talvez porque seus orçamentos eram muito humildes. Ou talvez porque gostavam que os amassem de graça. Em qualquer caso, os rapazes do Anjo Cinzento tinham pudor nestas questões. Para eles andar declarando publicamente o grau de amizade que sentiam por alguém era coisa de afeminados. Manuel Mandeb passava longas horas na esquina de Artigas e Morón fumando com Jorge Allen, o poeta. Muitas vezes nem se falavam. Contentavam-se com saber que o outro estava ali.
Já em sua última etapa, o armazém começou a oferecer velhos amigos.
No inicio a idéia era rastrear – a pedido do cliente – o paradeiro de pessoas ausentes e afastadas. Mas como advertiram que a tarefa era complicada demais, resolveram que era mais fácil inventar antigas amizades que resgatá-las do passado.
Prepararam então um magnífico grupo de velhos mentirosos que ante a entrada de algum candidato de certa idade, fingiam reconhecê-lo e soltavam quatro ou cinco lembranças para ir tomando confiança.
Esta seção trabalhava muito nas ceias anuais que costumavam realizar os ex-alunos dos colégios. Sua missão consistia em ir substituindo os falecidos e manter sempre a concorrência.
Assim, em certa reunião de formados do Colégio Nacional Nicolás Avellaneda, promoção 1921, aconteceu o curioso caso de que nenhum dos assistentes tinha pisado jamais esse estabelecimento, o que não os impediu de evocar professores, rir das passadas travessuras e brindar por encontros futuros.
Com o tempo, a atividade do armazém foi minguando. Contribuiu a esse fato, certa má fama que sempre ganha a amizade para os espíritos céticos. Em Flores, e em todos os bairros, se contavam lendas sobre as traições dos amigos e sobre a vantagem da solidão. Ainda em nossa época, há pessoas que sentem prazer em declarar que os cachorros são mais leais e sinceros do que os humanos. Cabe sobre isso uma pequena reflexão.
Talvez seja verdade que os cachorros não traem. Mas isso não é na verdade uma virtude do animal. Acontece simplesmente que a modesta organização mental do cachorro lhe impede realizar processos tão complicados como um calote. Quer dizer: os cachorros não podem nos trair pelo mesmo motivo que não podem escrever novelas.
Hoje, quando já não existe o Armazém Amigos de Ocasião, vele a pena perguntar se não será necessário inventar algo para substituí-lo.
Será difícil, claro. Ninguém poderá resgatar os amigos perdidos. Pouco poderá ser feito para nos livrarmos dos desconhecidos que preenchem nosso tempo. Em todo caso, cada um de nós deverá cuidar do pouco que tenha. Sem compor canções nem escrever poemas. Trata-se unicamente de se sentar um pouco na calçada ou de tomar chimarrão em silêncio com os que estão mais perto do nosso espírito.
Se já não temos os amigos de antes, é possível que exista no mundo velhos amigos que ainda não conhecemos.
Eu mesmo, na outra noite, resolvi sair do meu encerro e cheio de ilusões me encaminhei a certa esquina que conheço. Tinha vontade de fumar em silêncio junto a três ou quatro sujeitos que se estacionam naquele lugar.
Pensava, além disso, recolher uma piscadela amigável depois destes anos em que estive tão ocupado.
Mas algo estranho deve ter acontecido, porque não havia ninguém.




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