26 sept 2009

Los amantes desconocidos

Os amantes desconhecidos
Alejandro Dolina

A sociedade de Amantes Desconhecidos de Flores foi, talvez, a entidade mais secreta do bairro. Sua própria natureza fazia imprescindível a discrição. Há alguns anos, cada vez que alguém recebia uma carta de amor sem assinatura, os homens sábios não vacilavam em atribuí-la à Sociedade. Era isto um erro: sempre existiram apaixonados ocultos, sem necessidade de inventá-los.
Por outra parte, cabe raciocinar que a obra dos Amantes Desconhecidos só pôde ter um bom efeito na medida em que não lhes fosse atribuída. Calcula-se que durante os anos de sua atuação, a Sociedade forjou mais de duas mil histórias de amor. O procedimento habitual era simples. Sem maiores cerimônias escolhia-se uma pessoa qualquer. A maioria das vezes se tratava de solitários, melancólicos, desiludidos, entediados ou simplesmente amigos a quem a entidade desejava favorecer. O passo imediato consistia em criar um amante fictício para a pessoa escolhida. Uma equipe de engenhosos criativos se encarregava do assunto. Aos engenheiros lhes inventavam adolescentes pícaras. Às costureiras da Rua Morón, lhes desenhavam nobres arruinados. Aos Homens Sensíveis lhes faziam amantes românticas e trágicas, mas também peitudas, que era uma verdadeira delícia. Uma vez estabelecidas as características gerais do amante fictício, enviavam a primeira comunicação. Assim, muitos homens e mulheres de Flores receberam surpreendentes declarações anônimas que os enchia de estupor. Transcreve-se a continuação a carta com número de ordem 1114.
“Querido engenheiro Atilio D. Gallardo: Escrevo-lhe desde a escuridão da minha solidão. Rogo-lhe que me desculpe se usurpo sua preciosa intimidade. Mas existe, meu querido engenheiro, um sentimento dentro de mim que já não posso dominar. É preciso que o senhor saiba que lhe amo, engenheiro. O senhor não me conhece... ou pra dizer melhor: o senhor jamais reparou em mim. Quem sou eu? Não creio que valha a pena que o senhor o saiba. Digamos que me chamo Luisa, mas esse não é meu verdadeiro nome. Alguns dizem que sou jovem e bela, mas talvez exagerem. Ah... se soubesse, engenheiro, quantas vezes chorei pelo senhor. Se soubesse quantas noites acordei chorando e pronunciando seu nome: Atilio. Em meu quarto tenho um pequeno retrato seu que recortei da revista “Temas da construção”. O senhor talvez ria dos delírios de uma pobre moça apaixonada. Mas já não posso lutar mais contra meu coração, engenheiro. Quero lhe propor algo. Escreva-me. Conte-me algo de sua vida. Claro, ainda não penso revelar minha verdadeira identidade, de forma que o senhor deverá se dirigir a Luisa, Caixa postal 32. Um beijo apaixonado de sua Luisa.”
Depois começava a verdadeira história. O engenheiro respondia, Luisa escrevia outra vez, o engenheiro reclamava um encontro, Luisa se negava... e entre carta e carta iam-se conhecendo e interessando cada vez mais. Claro, o encontro não devia se produzir jamais. E esta é em verdade uma regra de ouro dos amantes desconhecidos, reais ou fictícios. Toda relação deverá girar em torno de um encontro futuro. Mas é fundamental não se encontrarem nunca. As razões são óbvias: todo amante desconhecido é perfeito. Tem a cara que desejamos. É ao nosso parecer loiro, moreno, ou ambas as coisas ao mesmo tempo.
O amante desconhecido não tem defeitos, não gagueja, não enche o saco com coisas quotidianas. Mas há uma virtude fundamental: por não ser ninguém, é também todas as pessoas do mundo. Se cometer o desatino de dar uma identidade certa, o amante desconhecido se diminui, mesmo que seja um anjo. Se for alto, já não poderá ser baixinho. Se for atlético, já não poderá ser magrinho. Se for João, já não poderá ser Pedro. Se for Luisa, já não poderá ser Esther. Por estes mesmos motivos, a Sociedade de Amantes Desconhecidos jamais enviava fotografias, apesar de sim as reclamarem de seus beneficiados.
A atividade destes filantropos tinha por objetivo combater a solidão e a desdita. Cabe dizer que sua ação despertava nos vizinhos do bairro um saudável espírito de emulação. Ao conhecer a existência de apaixonados secretos, muitas pessoas descobriam dentro de si essa mesma condição. E assim, junto aos amantes de ilusão criados pela Sociedade, produziram os amantes secretos verdadeiros.
Em seus tempos livres, Manuel Mandeb escrevia cartas com quatro amores misteriosos. O pensador suspeitava que ao menos duas fossem obra da Sociedade, mais do que nada, pelo papel barato das cartas. Mas suas investigações o levaram a comprovar a existência certa das outras duas. Uma delas acabou sendo uma companheira de um curso de violão que Mandeb seguia penosamente. Quando o homem se apresentou a ela com as cartas na Mao, a moça rompeu a chorar e fugiu para sempre. A última das amantes secretas era – como soube muito depois - Beatriz Velarde, a moça mais bela de Flores, de que – por sua vez – Mandeb era apaixonado secreto em outra coleção de cartas. Mas estava escrito que Manuel e Beatriz não se amassem nunca. O ingresso a Amantes Desconhecidos de um grupo de redatores humorísticos e malévolos provocou uma série de catástrofes que marcaram a decadência da Sociedade.
Estes profissionais, que perseguiam unicamente a diversão pessoal, começaram a enviar cartas a damas casadas e a urdir toda classe de intrigas chulas. Deste modo conseguiram que a Sra. Aurora B. de Gracia Vassari se apresentasse às quatro da manhã com uma vela na mão no fundo do Beco Trieste. Também foram os culpados de infinidade de divórcios, brigas, confusões e safanões entre os matrimônios mais acrisolados de Flores.
Mas há que mencionar um fenômeno curioso que acontecia com quase todos os membros da Sociedade. Conforme avançava a correspondência com os beneficiários, muitos roteiristas se apaixonavam de verdade. A conhecida redatora publicitária Luz Vasallo enlouqueceu de amor pelo poeta Jorge Allen, cujo caso atendeu durante meses. Para evitar estas situações, as autoridades da entidade resolveram uma rotação de roteiristas. Mas o resultado foi desastroso. As cartas perdiam coerência e verossimilhança, pois os redatores não chegavam a compenetrar devidamente com sua função. Sobre o final de suas atividades, Amantes Secretos recorreu ao telefone. Não foi uma experiência feliz. A linguagem telefônica é menos tolerante com a criação artística e, além disso, muitos roteiristas soltavam a gargalhada no meio da conversa, provocando certa perplexidade no freguês.
O jogo dos Amantes Desconhecidos era sem dúvida empolgante. Mas mesmo que admitisse processos mais ou menos prolongados, finalmente acabavam por se extinguirem. Ninguém pode resistir muito tempo à tentação de se conhecerem. Todos, cedo ou tarde, exigem a consumação do amor epistolar. E assim terminavam todas as histórias. A maioria das vezes com o silêncio e o esquecimento. Em alguma ocasião, com encontros mais bem desbotados.
Ives Castagnino, o músico de Palermo, encontrou uma vez uma dama desconhecida que havia lhe enviado cartas durante anos. Quando a viu na esquina, se aproximou e lhe disse: - Boa Noite. Sou a Decepção.
Hoje já ninguém fala dos Amantes Desconhecidos de Flores. Mas esta entidade sem fins de lucro bem pode deixar em nosso espírito a sombra de uma idéia. Por que não nos convertermos em Amante Desconhecido? Por que não ajudar com ilusões tantas almas solitárias que andam pela vizinhança?
A vida está se tornando muito tediosa. Seria maravilhoso receber uma destas manhãs um bilhete perfumado cheio de beijos que vem sabe-se lá de onde. Deixo a inquietude a tantos roteiristas, redatores, poetas e literatos que mal gastam seu tempo jogando sinuca.



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