23 nov 2009

El psicoanálisis en Flores


A psicanálise em Flores
Alejandro Dolina

A história da psicanálise no bairro de Flores é bastante curiosa. Quem conhece os Homens Sensíveis já suspeita que as teorias de Freud não foram formuladas pensando neles. E mesmo que esses varões sempre foram aventureiros e buscadores de sonhos, custa bastante imaginá-los no divã de um psicanalista.
No entanto, muitos profissionais alcançaram sucesso no bairro do Anjo Cinzento. Alguns foram consultados pelos Homens Sensíveis e até existiram escolas e correntes opostas que deram lugar a apaixonantes polêmicas.
O primeiro analista que se estabeleceu em Flores foi – conforme dizem – o doutor Mauricio D. Finkel. No inicio não foi fácil e seu consultório da Avenida Rivadavia permaneceu deserto durante meses. Os vizinhos pensavam entender que Finkel adivinhava a sorte ou abria as cartas ou talvez vendesse rifas. Com essa idéia se apresentou um dia de inverno o primeiro dos seus pacientes.
Tratava-se do poeta Jorge Allen, que procurava consolação de uma desilusão amorosa e pensou que não estava mal tentar alguma solução mágica. Finkel o fez deitar no divã e o convidou a falar. Allen contou minuciosamente que fora abandonado por certa senhorita de La Paternal, a forma em que sofria e outros detalhes menores. Transcorrido o tempo, Finkel se levantou e deu por terminada a entrevista.
- E aí? – disse Allen – faço o quê?
- Venha quinta-feira à mesma hora.
- Para quê?
- Veja, o tratamento procura que o senhor vá compreendendo seu próprio problema. A solução o senhor vai encontrar nessa mesma compreensão.
Allen voltou várias vezes. Compreendeu perfeitamente seu caso, coisa que não lhe serviu de nada: a moça de La Paternal casou-se com um consignatário de Alberti. Ao saber desta tragédia, o apaixonado anunciou a Finkel sua decisão de interromper o tratamento.
- O senhor não entende – sentenciou o analista -; o ponto é colocá-lo frente à realidade para aceitá-la e superar a sua dor.
- Não desejo superar a dor. Já perdi a mulher que eu amava. O senhor pretende me deixar também sem o sofrimento? Diga-me quanto estou lhe devendo.
Apesar deste primeiro fracasso, Finkel fez carreira.
Quando os Homens Sensíveis souberam da teoria do subconsciente, acreditaram encontrar-se frente a uma belíssima lenda.
Na praça, os Narradores de Histórias surpreendiam o auditório manifestando que todos levavam por dentro outro senhor, quem na verdade é que domina o nosso ser.
Diziam também que este senhor oculto aparecia nos piores momentos, pondo nas nossas vidas notas de luxúria, bestialidade e grosseria.
A lenda do subconsciente foi-se transformando vigorosamente e algumas de suas versões são assombrosas.
Durante muito tempo acreditavam em Flores que toda ação indecente era responsabilidade do subconsciente, ficando a salvo a inocência de quem a perpetrasse. Deste modo, os mal-educados da área justificavam seus gritos, safadezas e provocações culpando o estranho que levavam por dentro.
As pessoas decentes e retas se jactavam de não ter subconsciente e muitos pais ameaçavam seus filhos com marcar a extirpação cirúrgica do intruso responsável por suas travessuras.
Manuel Mandeb afirmou uma madrugada que ele tinha vários subconscientes, a maioria dos quais estavam contra ele.
Quase nos confins de Villa del Parque, alguns grupos de fanáticos acreditaram que o subconsciente saía da sua embalagem carnal nas noites de lua cheia para cometer toda classe de perversidades.
Seja pelo auge desta lenda, seja pelo trabalho de grupos de fedelhos procedentes do centro, o caso é que o doutor Finkel e alguns outros psicanalistas chegaram a dispor de uma regular freguesia.
Os Refutadores de Lendas não se opuseram a esta atividade, pois tinham ouvido dizer que se tratava de algo científico.
Também é verdade que não concorriam aos consultórios, coisa que é uma pena: não deve haver nada mais apaixonante do que os sonhos de um racionalista.
Com o aparecimento de novos profissionais, começaram também os diferentes focos, as heresias e as discussões. Finkel era ortodoxo: não dialogava com seus pacientes, punha-se fora de suas vistas e não lhes permitia que o olhassem. Seus inimigos afirmavam que o homem aproveitava para dormir.
Outros asseguravam que ele ia à cozinha e voltava sobre o final da sessão. E não faltavam os que pensavam que atendia duas ou mais pessoas ao mesmo tempo, dando voltinhas de inspeção entre quarto e quarto.
Outros psicanalistas preferiram enfrentar seus fregueses e discutir com eles.
Uma vertente da Rua Bilbao levou esta atitude ao extremo. Assim nasceu a Escola Psicanalítica da Desesperação.
Os médicos que seguiram esta nova técnica se propunham reagir ante o relato do paciente de um modo evidente e até exagerado, para que o doente compreendesse que era compadecido.
Por exemplo: se um senhor contava que estava cheio de sua esposa, o analista chorava amargamente até cair na desesperação. Claro que esta terapia teve, algumas vezes, conseqüências desagradáveis.
Assim, quando alguém contava que castigava seus filhos, não faltava o psicólogo desafiante que se enfrentava ao paciente e gritava: “Por que não bate em mim, sem-vergonha!”
As atividades da Escola Psicanalítica da Desesperação cessaram, mas do que nada, por causa das queixas dos vizinhos. Um negócio bastante interessante foi o dos psicanalistas a domicilio.
A idéia surgiu a partir da forte necessidade que muitos pacientes tinham de seus analistas a toda hora.
Certos neuróticos com grana pensaram que uma boa solução era contratar um psicoterapeuta de modo permanente. Então se fez bastante freqüente o costume de ter um analista em casa, que – de passagem – eliminava a chateação de se submeter a uma sessão, pois não tinha maior sentido contar ao profissional o que ele podia ver com seus próprios olhos.
A verdade é que, no caso dos psicanalistas ortodoxos, sua função no domicilio do doente não era muito mais ativa do que a de um vaso de flores. Limitavam-se a percorrer os cômodos murmurando “hemmm” e afirmando com a cabeça.
Muitos deles ainda continuam nas casas das famílias acomodadas, alguns como jardineiros, outros como primos ou enteados.
O auge da atividade psicanalítica no bairro de Flores popularizou suas técnicas mais simples. Qualquer costureira sabia o que era o complexo de Édipo ou uma neurose obsessiva.
Os Homens Sensíveis se sentiram fascinados pelo jogo da interpretação. Para eles não se tratava de um exercício científico, senão artístico. E não lhes faltava razão.
Alguém deixa um guarda-chuva esquecido no bar La Pilarica.
Interpretação: existe o desejo de voltar ao estabelecimento.
Alguém conta piadas o tempo todo.
Interpretação: há uma tristeza oculta.

Alguém sente horror pelos facões.
Interpretação: Houve um acidente na infância.
Claro que os poetas cunharam interpretações novas muitas delas de alto valor literário.
Vejamos:
Alguém mete o dedo no nariz.
Interpretação: Está à procura de sua alma.
Uma mulher é bela demais
Interpretação: Trata-se do demônio.
Um homem afia sua faca no meio-fio:
Interpretação: Vingança certa.
O mesmo mecanismo observa-se na interpretação dos sonhos. De acordo com os Homens Sensíveis, sonhar com uma mulher é amá-la, sonhar com sapatos pretos é morrer, sonhar com cair é o cinqüenta e seis.
Outra das conseqüências desta vocação psicológica foi a convicção geral de que tudo tem origens mentais.
Assim, quando um rapaz espetava um prego no pé, alguns médicos aplicavam a vacina para o tétano e outros perguntavam pela relação do espetado com seus pais. De qualquer maneira, o entusiasmou foi decaindo. Talvez o principal responsável foi Manuel Mandeb.
O pensador árabe começou a desconfiar de quem tratava de abranger a alma com deficientes definições. Não gostava também da ausência do pecado naquelas construções onde não havia canalhas, senão doentes, e onde os sem-vergonhas eram chamados de psicóticos.
Destas inquietudes surge uma obtusa monografia titulada “Loucos éramos os de antes”. Na verdade, o trabalho consiste na exposição de cento e nove casos de pessoas que concorreram ao psicanalista, sem se curarem de nada e – o que é pior – adquirindo uma espantosa satisfação de si mesmos.
A verdade é que o trabalho de Mandeb carece de todo rigor científico, mas consegue deixar a estranha sensação de que à psicanálise tampouco lhe sobra este rigor. Isto é talvez falso.
Mas a gente não termina de se convencer, tal é o efeito que os pensadores apaixonados, como Manuel Mandeb, produzem nas pessoas razoáveis.
Hoje em dia, suponho eu, os grandes investigadores da alma transitaram outros cominhos menos pitorescos. Já não parece ter muito sentido contar nossas fantasias a um senhor durante vinte e cinco anos para ver se conseguimos dormir tranqüilos.
Meus amigos ilustrados contam que há novas técnicas e que a ciência avança em forma brutal.
Como queira que seja, o simples propósito desta nota foi chamar a atenção sobre aspectos estéticos da psicanálise. Não importa que não sirva para nada: seus rituais, suas aristas absurdas, seus tiros na noite, suas metáforas, sua solenidade são elementos que um verdadeiro artista não deveria desestimar jamais.
Talvez eu chegasse tarde e todos já compreenderam isto.
Talvez os terapeutas e seus pacientes não façam nada mais do que brincar, semana a semana, um jogo apaixonante em que as fichas são sonhos, ilusões, fantasias, lembranças, angustias, amores, desencontros e frustrações.
Isto é quase tão bom quanto curar manias de perseguição.



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