23 nov 2009

La Academia del Humor en Flores




 A Academia do Humor de Flores
Alejandro Dolina


Os Homens Sensíveis de Flores gostavam do humor, mas só um pouco. No fundo suspeitavam que o riso costuma esconder a covardia. E sentiam que os momentos verdadeiramente grandes da vida não suportavam bem as palhaçadas.
Um pouco de razão tinham: muitas vezes uma piada oportuna serve para evitar uma confissão ou um beijo. Os tímidos timoratos provocam o sorriso de seus inimigos para evitar os murros.
Ser engraçado não é simples, mas é muito mais seguro do que ser corajoso. De todos os modos, os rapazes do Anjo Cinzento cumprimentavam com suas melhores gargalhadas as idéias felizes, desde o ambicioso paradoxo até o modesto cascudo sub-reptício.
Pouco a pouco, a destreza humorística acabou por gerar – já que não o respeito – ao menos certo prestigio mundano que permitia o ingresso gratuito aos churrascos, aniversários saraus e batizados do bairro.
Naturalmente, quando as multidões alcançaram a vislumbrar as vantagens de possuir uma técnica festiva, surgiram por toda parte, jovens aspirantes que se postulavam para referir a história do camponês que estava apressado pra ir pro fundo.
A Academia do Humor em Flores ofereceu conhecimentos ordenados e oportunidades profissionais a muitíssimos simpáticos. A entidade alcançou a forjar um estilo austero e gozador, ainda hoje reconhecível em renomados locutores, jornalistas, desenhistas, escritores, atores, ou simples brincalhões particulares.
Macedônio Fernández dizia que o humor é surpresa intelectual.
A frase não define o gênero, mas o exerce. E é também uma amável recomendação do imprevisto. Neste sentido, os professores da Academia insistiam em que a pilhéria deve ser esporádica. O humorista que estende armadilhas cômicas a cada duas frases termina deixando no público uma saciedade mental da que não se consegue sair senão à mercê do tédio.
Nas aulas ensinavam a manter longos períodos de calma e seriedade, que não eram mais do que o fundo escuro destinado a ressaltar o brilho de uma brevíssima piada.
Quanto mais avançava o aluno nos cursos, mais paciente ficava e mais extensos os espaços sem brincadeiras.
Certamente alguns discípulos levaram este critério ao extremo. Às vezes escreviam longas novelas de aventuras que não eram mais do que um pretexto para uma só piada. E em certos casos, já seja por esquecimento ou por decisão artística, omitia-se totalmente qualquer troça.
Talvez muitas das obras que hoje lemos com inocência não sejam outra coisa que a desmesurada preparação de uma piada genial abolida no último instante.
O ambiente da Academia era severo e protocolar. O jeito dos professores evitava qualquer gesto familiar ou amigável. Permito-me notar nesta conduta um aspecto de inteligência fenomenal: o efeito de uma piada é tanto maior quanto mais adusta é a circunstância em que é formulado.
Um simples pum pode ser glorioso durante o discurso de um escrivão. O mesmo recurso, numa ceia de formandos ou um estádio de futebol resulta apenas em uma grosseria.
Durante os primeiros anos de cursos, procurava-se afastar os alunos da tentação da ocorrência fácil. Quem se deixava arrastar padecia severos castigos, quando não a expulsão sumária.
As apostilas e textos da Academia que chegaram até nós apresentam longas listas de recursos humorísticos desaconselhados. Um extenso capítulo rejeita o sentido duplo, que consiste em expor um objeto qualquer como se de verdade fizesse referência a uma parte comprometida do corpo humano: “Gostoso o panetone da tua irmã!”
Também se proibia o anacronismo, os jogos de palavra, as piscadelas entre parênteses, as rimas com os sobrenomes, as brincadeiras sobre políticos incultos, os nomes safados em japonês e o desafio de adivinhar como chamam a este ou aquele funcionário.
Ao final das recomendações nos espera uma frase edificante: “Convém não utilizar estes mecanismos vulgares, exceto que você seja um gênio, o que na verdade não acontece quase nunca”.
Circulavam entre os apêndices, um caderno de exercícios muito curioso. Continha numerosos inícios de comentários humorísticos que os alunos deviam completar de acordo à sua imaginação. Vejamos alguns:

Completar as seguintes piadas safadas:
1- Conversam no inferno um alemão, um japonês e um argentino. O alemão declara:
- Eu estou aqui porque assassinei um vizinho...

2- Um casal de namorados se encontra numa varanda. No melhor momento aparece o pai da moça e diz:
- Mas o que é isto?

3- Um inspetor chega a um colégio e começa a interrogar as crianças.
- Me diz você. O que pensa ser quando for grande?

As invenções dos alunos jamais eram aprovadas. Ao final do caderno e depois de infinitas frustrações, o jovem postulante compreendia ou recebia por escrito uma noção fundamental: o mundo não suporta mais as piadas safadas.
Talvez a matéria mais importante dos cursos da Academia tenha sido “Vida Humorística”. A idéia era produzir situações engraçadas reais, além das criações artificiais. Diz-se o russo Salzman chegou a ocupar essa cadeira. Para cumprir com seus trabalhos práticos, os discípulos percorriam o bairro auspiciando o estouro festivo: soltavam arrotos nas cerimônias nupciais, caçoavam dos comerciantes estrangeiros para provocar insultos em geringonça, fingiam-se de viados nos trens, gritavam pedindo socorro nos provadores das alfaiatarias; provocavam brigas com as crianças e simulavam perpétuas indecisões nos balcões das sorveterias.
Parece que o próprio Salzman fiscalizava estas tarefas colocando-se em lugares estratégicos e fazendo, a cada tanto, alguma correção ou sugestão.
O humor político é – dizem alguns – um passatempo intelectual que consiste em caçoar dos peronistas*.
No entanto, na Academia, a matéria era lecionada pelo professor Ricardo Bermudez, homem que pertencia a esta corrente política.
Desde o principio, Bermudez tenteou estabelecer que para fazer uma troça inteligente, qualquer partido político é bom. Assim, chegou a contar um dia que os democratas progressistas levantam o piso de madeira de suas casas para fazer churrasco. O efeito desta criação foi praticamente nulo.
Apesar de tudo, é preciso declarar que houve em seus ensinos alguns modestos acertos.
Refutou – por exemplo – o velho postulado segundo o qual é impossível fazer humor oficialista.
O humor – sustentavam os ortodoxos – implica sempre uma degradação de um valor. Por tanto, toda ação humorística será sempre contra alguma coisa. Daqui se infere a impossibilidade de uma piada a favor do governo ou da ordem vigente.
Os argumentos contrários de Bermudez são tão simples que sua exposição não produz o menor orgulho artístico.
“... É verdade que o humor se faz sempre contra alguma coisa, como já suspeitou Platão. Para fazer humor oficialista, bastaria então caçoar da oposição.”
Em efeito, a apresentação do inconformismo e do descontentamento como estados espirituais ridículos e também fraudulentos, propugnava indiretamente a admiração do pensamento estabelecido.
De fato, hoje em dia, nossos melhores humoristas são honestamente oficialistas, talvez por razões parecidas àquelas que levavam os Homens Sensíveis a desconfiar do Humor.
A Academia do Humor de Flores possuía também um registro de patentes que permitia aos engenhosos do bairro preservar a propriedade de suas criações.
O escritório atendia dia e noite, pois já é conhecida a rabugice dos inventores de bagatelas.
De todas as formas, e apesar dos minuciosos trâmites, nunca faltavam piadistas que se sentiam despojados por alguém. Isto acontece ainda na nossa época: cada vez que surge um programa de sucesso ou uma nova publicação de humor, muitos de nossos conhecidos declaram ter tido a mesma idéia muito antes.
O polígrafo Manuel Mandeb – que jamais registrou nada – desprezava os supostos danificados. Ouçamos seus gritos:
“Somente podem ser roubadas as idéias pequenas, as minúcias que cabem num bolso. As grandes criações são incômodas de levar e não estão ao alcance dos gatunos. Qualquer um pode se apropriar do slogan de uma nova cueca; a teoria da relatividade – no entanto – é de usurpação quase impossível.
Convém então ter grandes idéias, ou em outro caso, procurar que nossas ocorrências estejam coladas a nós de um modo tão íntimo e estreito que ninguém as possa arrancar de nossa alma. “Se quiserem saber, eu sou minhas idéias, e quem as roube de mim, deverá me levar consigo também.”
Mas a idéia de que as idéias não se roubam foi roubada a Mandeb. O advogado Gerardo Joseph a expôs como própria na conferência titulada “A Subtração de Idéias”. Dizem que Mandeb se apresentou ao palestrante e disse:
- Veja meu amigo, ao ouvi-lo expor minhas reflexões penso que eu mesmo dissertava. “Você era eu e talvez por isso mesmo não lhe arrebente os dentes”.
Poucos alunos alcançavam os cursos superiores da Academia. Lá se ensinava a arte do exemplo absurdo e, no entanto rigoroso, a deliciosa discordância entre a forma e o conteúdo, a nobreza da renúncia artística, e os divertidos defeitos da razão.
Também ensinavam música, poesia, pintura e teatro, pois sem um gênero que o contenha, o humor não é nada.
“Nosso negócio é feito o sal – diziam os mestres – mesmo que a comida sem ele é desagradável, muito pior é comer o sal sozinho”
Nos últimos tramos da carreira os aspirantes se tornavam melancólicos e quase nada os fazia rir. Talvez a busca do engraçado seja um caminho duro demais.
Ninguém jamais alcançou o título de Humorista Diplomado. Mas a não obtenção dessa jerarquia é precisamente o propósito final da entidade. Tratava-se talvez de apender a não rir, ou ainda melhor, a rir sem se esquecer.
Assim, despojado de toda pretençao, purificado de sua fome de riso, o aspirante poderá anotar algum pontinho.
A graça nunca se entraga a quem a procura demais.
A Academia de Flores acabou com os tempos dourados. Alguns continuam hoje com seus rigorosos preceitos. Outros não.




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